Os Cinco Guerreiros.

   Amanheci acordado naquele frio da mata. Sentia emoções confusas. Eu não sabia se eu estava inspirado ou assustado, ou se eu achava graça ou me preocupava com a intriga entre essas duas insanidades poderosas. Eu avaliava o lado que eu tomei com muita incerteza. Salvar a cidade para que deixá-la à mercê da captura, sabe-se lá quando no futuro, talvez mais perto do que parece. Captura por uma entidade megalomaníaca que irá impor um estado fundamentalista, com 12 mil não sei mais regras para oprimir a população. Grande feito meu seria, hã! Meus feitos poderiam até ser celebrados por uma população fanática. Ergueriam uma estátua minha ao lado de Ahura-Mazda? Não viverei pra ver e esse fato e parece ser o único ponto bom de minha condenação.
    Mas hoje é tempo de deter Arimane, chegará o tempo para deter Ahura-Mazda. Uma insanidade por vez já é estarrecedor. Apesar de manter isso em mente, que a minha aliança com o Cai… Ahura-Mazda, era definitivamente temporária; meu instinto e minha consciência me condenavam a cada passo que eu dava.
   Na aldeia, uma reunião na praça decidia o meu pedido de guerreiros.




   "O curandeiro disse ao murumuxaua Jurandir que viu você conversar com o Caipora na mata. Murumuxaua parece acreditar em você agora, Daren. Ele tem cinco bons guerreiros que pode disponibilizar. Os guerreiro estão se pintando para guerra. Com sete podemos impedir o abaçaí, estou certa disso!"
   "Diga ao muxurumu… seu cacique, que eu aceito a ajuda de bom grado. – Jacimar traduz meu agradecimento. "
   "Jurandir gostou tanto de vós me cê que quer firmar amizade, quer te considerar parte da tribo. Daí, vós me cê será bem-vindo na tribo como irmão do murumuxaua. "
   "Est… estou bastante comovido."
   O murumuxaua Jurandir olha para o céu, para a morada de Tupã, e dá um grito de regozijo, com seus braços erguidos. Porque se sentiu agraciado pelos deuses! Avisado do mal iminente! E grato pela provisão de um mensageiro e guerreiro! Enquanto toda a tribo faz expressões exóticas de alegria, o grande chefe acolhe Daren como seu irmão.
   Enquanto nós, os sete guerreiros partem para enfrentar um inimaginável “abaçaí”, é obvio que a tribo esteve em festa, já certos da vitória. Já eu, o único aqui que realmente entende o grau de perigo horrendo, eu diria cósmico, do que realmente estava acontecendo, não estava tão certo dessa vitória.
   Logo afora dos muros da aldeia indígena, Jacimar me apresenta os notáveis guerreiros, escolhidos a dedo pelo chefe Jurandir:
   "Todos muito bons com lança e arco mas o murumuxaua, sábio que é, escolheu cada um com coisa boa diferente. Jeito de espírito ou jeito de bicho, cada um deles gosta de ser coisa diferente. Vou falar nome deles primeiro: Estrela, Pau Duro, Rio Negro, Pato Mergulhão e Jararaca."
   "Estrela, pau-dur pfff haha como é que é Jacimar? – disse eu tentando me segurar para não rir."
   "Estou tentando traduzir o nome deles para o português. Eles mesmo que escolheram chamar assim, para eles o que o nome é é importante! Não pode ri."
   "Jacimar, pode falar o nome deles em tupi. Nomes tupi, de onde eu venho, são muito mais comuns do que você pensa."
   "Você vem de lugar estranho, caburé. Nem tribo, nem cidade, tudo junto e misturado!"
   "Como é o nome deles em tupi?"
  "Taynara, Ubiratã, Iuna, Kaíque e o outro é Jararaca dos dois jeitos de falar, então...”
   "Os nomes deles soam muito mais bonitos em Tupi."
   "Vou dizer pra eles que o Baquara achou nomes deles bonitos. Baquara vai ser seu nome, caburé."
   “Pelo menos não ficou ‘caburé’ ”, pensei.
   Os guerreiros se entreolharam satisfeitos depois que Jacimar disse para eles que eu gostei dos nomes que eles escolheram para si.
  Depois de umas palavras tupis entre os cinco guerreiros e Jacimar, ela explica:
   “Guerreiros querem explicar porque escolherem os nomes” – Então os guerreiros iam falando e Jacimar traduzindo para mim.
   “Ubiratã, chama Pau Duro, treinou muito para ser forte, igual macaco bugio. E pra ser invencível com sua arma preferida, a Ibirapema, de madeira dura e pesada, por isso escolheu chamar Pau Duro.” – Ubiratã, o maior e mais truculento dos guerreiros, batia no peito com o punho direito. Segurava uma maça de madeira, acredito que seja o tal do Ibirapema, mas carregava nas costas uma arma misteriosa, da qual não comentou e eu tive o respeito de não perguntar.
   “Jararaca é cobra-gente. Ele aprende a tirar veneno de cobra e chupa o veneno quando a cobra pica a gente. O Jararaca fala com cobra e tem arma com veneno. Mas Jararaca fica triste quando os índios companheiros mexem nas coisas dele e morre, por isso Jararaca não gosta que mexem nas coisas dele.” – Um índio baixinho e parrudo, com a cara pintada de preto e vermelho, e um potinho preso na cintura, arregala os olhos e sorri pra mim fazendo barulho de cobra. “PsssiPssssss”.
   “Iuna, que chama Rio Negro, aprende com Jaci, a deusa lua; então ela dorme pouco e fica acordada de noite. Ela não faz barulho quando anda, vê as coisas no escuro, ouve chão e fareja que nem onça. Quando quer ficar acordada de noite, durante o dia, ela não faz trabalho, não fala muito, sempre cobre o olho e anda pelo que ouve.” – Um senhora idosa se apresenta, de olhos vendados e um ramo de cipó enrolado em um dos ombros. Ela tira uma ponta de flecha do cinto, gesticula o seu ataque e depois sorri. Ela revela nesse gesto como ela assassina seus inimigos: sorrateira, usando uma ponta de flecha.
   Kaíque, a ave da água, é meio pássaro, meio peixe e meio gente. Kaíque escala lugar muito alto, pula lá de cima e voa pra ver bem longe; ele chama a manobra de Vôo da Ariramba. Depois sabe cair na água sem morrer. Também aguenta bastante debaixo da água, sabe boiar feito pato, nadar mais rápido que nem gente correndo e mergulha mais fundo.” – Kaíque acena, com seu cabelo cúia, parece o índio típico, menos pelo fato de estar totalmente sem roupa e sem equipamento. – “Kaíque nunca usa nada, ele treina pra fazer do corpo sua arma, ferramenta e canoa.” – Kaíque balança os dedos de seus braços estendidos, orgulhoso de sua afiada ferramenta, seu corpo.
   “Taynara chama ‘Estrela’. Teve incêndio na oca quando ela nasceu. Os índios, assustados, foram para fora, mas o pânico deles não viu o chamado do pai pela sua filha recém-nascida e esposa. O fogo consumiu a oca mas preservou a mãe dela, desmaiada com a fumaça, carregando Taynara no colo, que estava calma, brincando com um chumaço aceso. Dizem que o chumaço era tatá-mirim, que apareceu pra proteger Taynara. O chumaço foi embora voando mas não se sabe se só foi vento.”
   “Taynara brinca com fogo até depois de adulta. Sabe fazer fogueira e não tem medo de fogo. Ela aprendeu a fazer água de fogo com planta, mas os índios têm medo de aprender, então só ela fabrica. Ela junta muitas plantas com fogo e faz fogueira especial.” – A jovem se apresenta, ainda menina, pintada de vermelho, com um cesto com alguns materiais inflamáveis e outras coisas.
   Que equipe fantástica! Lendo só livrinhos do meu tempo, sobre índios brasileiros, jamais imaginaria tamanha engenhosidade.
  “Não tenho dúvidas que cada aspecto único de vocês será imprescindível para impedirmos a irmã daquele cão!”
   Jacimar me olhou confusa sem saber o que traduzir. Então eu simplifiquei para ela:
  "Cada jeito diferente dos guerreiros é precioso para impedirmos o abaçaí."
   “Aaahh!” - Exclamou Jacimar traduzindo depois.
   Jacimar pega em minha mão com ternura e me conduz à frente da caravana, junto com ela. Era nossa guia mas para mim ela guiava meu espírito. Naquele momento, eu agia por ela, eu queria estar de acordo com sua expectativa sobre mim, queria ser Baquara para ela. Eu queria agradá-la, na verdade; vencer Arimane ficou meio que em segundo plano, salvar o mundo seria só uma consequência feliz de conquistar a admiração de Jacimar. 



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Um comentário:

  1. Pessoal, que tal comentar aqui qual guerreiro você mais gostou? Ou o que está achando da história?

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