Raízes


 Comecei tentado descobrir como Jacimar sabia do local do acampamento. Mas ela me interrompeu traduzindo o que Kaíque tinha pra contar:
  “Kaíque conta que, enquanto estava lutando com as onças, uma coisa enrolou em seu pé e o puxou com uma velocidade que fez seu sangue subir na cabeça. O puxou pra água, mais pra traz de nós, fora de vista. Ele viu que a coisa parecia com uma raiz de árvore, prendeu ele submerso na água por uns 7 minutos, como se quisesse afogar ele. Mas a coisa não sabia que tentava matar afogado a ‘ave da água’. Kaíque conta que prendeu a respiração e fingiu de morto; a raiz o deixou, pesando ter morrido; mas tinha apenas desmaiado.”
 “Quando acordou já era de noite, e Kaíque seguiu o rio, por horas, até chegar em outra parte funda o bastante; Kaíque encontrou uma árvore bem alta pra subir e fazer seu famoso Voo de Ariramba. Ele conta que subiu na árvore, bem alto, e pulou com os braços estendidos de ariramba. Ele conta que, nesse pulo, tudo fica mais lento pra ele e ele pode observar bem.” 



  “Ele avistou uma grande árvore guatambu! Ele falou que tinha uns quarenta metros de altura! Era grande demais até para um guatambu. Então ele começou a cair e mergulhou.”
  “Ele começou a ir em direção da grande árvore, quando bateu de frente com a caravana do capitão. Ele tentou lutar mas eles tinham o pau-de-fogo. Ele foi nocauteado e só acordou quando Iuna o soltou.”
  Depois da história de Kaíque encontramos um pequeno grupo de árvores e descansamos, afinal, estávamos caminhando por um cerrado, com poucas árvores. Me sentei debaixo de um Ipê e comecei a refletir na história de Kaíque: a raiz que pegou o pé dele, os animais enlouquecidos, as marcas de arranha-gato no padre, o grande guatambu… sim! Percebi o que ocorria! Olhei, nauseante, para a copa daquelas árvores que encontramos. O chão parecia vibrar sob nós… raízes…
  “O Abaçaí é a floresta toda!” - Alarmei em voz alta; todos ouviram, se entreolharam e saímos depressa de perto daquelas árvores!
  Claro, era como se estivéssemos já dentro das entranhas do demônio que caçávamos. Arimane não se manifestou em um animal, nem em um objeto ou árvore. Arimane estava manifestada em toda a floresta. Eu imagino que, até para uma entidade, é difícil ser uma floresta inteira, ela precisava de uma fonte de força extra. Se descobríssemos a fonte de sua força eu poderia enfraquecer Arimane, que já não podia controlar a floresta inteira, caso contrário, já teríamos certamente morrido. Assim Ahura-Mazda venceria sua irmã oposta, o equilíbrio de forças penderia a favor dele.
  Só podíamos fazer uma coisa: Ir até o grande guatambu. Era a mesma direção do capitão Teodoro e seu prisioneiro. Se Arimane era a floresta inteira, o que esse guatambu seria? Seu “cérebro”? “Coração”?
  Perguntei para Jacimar como ela sabia onde o capitão acamparia. Ela finalmente me responde com sua história:
   “Nota, Daren, que eu sou a escoteira da minha tribo? Mas também tenho uma tarefa de segredo dada pelo murumuxaua: eu fico trabalhando no arraial, pra vigiar o capitão Teodoro. Ele é sempre muito atento e sempre dá um jeito de fazer essa sua viagem sinistra quando nem eu estou olhando, porque não posso ficar acordada direto.” Ela continuou, agora cochichando: “Mas parece que o capitão Teodoro fica sempre acordado, nunca vi ele dormindo!”

  “Tive que explorar a floresta toda em busca de pistas, todos os locais de acampamento que eu conhecia… levou muito tempo de investigação pelos lados, sem poder seguir o homem diretamente. Uma vez eu cheguei, pelo peabiru, até o barranco de onde atacamos o acampamento. Eles também estavam lá acampando, na época.”
  “Teve uma época, Daren, que tinha mais abaçaí na floresta, mais coisa feia acontecia, mais bicho louco e mais coisa estranha. Quando eu vi o acampamento, na primeira vez, a floresta era mais doida e eu vi o capitão fazendo coisa muito esquisita.”
  “Quase amanhecendo, ele saiu da tenda, cortou os pulsos e saiu pelo mato, passando sangue na grama alta, em tronco de árvore solitária e outros lugares assim. Ele estava longe de onde eu via ele, então, não pude entender direito, mas pude ver o rastro de sangue que ele deixava. Ele olhava para cima feliz e ia pra lá e para cá. Parece que a grama alta enrolou nele, então não consegui mais ver ele.”
  “Mas quando o acampamento acordou ele saiu da tenda, como se nada tivesse acontecido. Eu acho que ele foi para o acampamento por debaixo da terra. A floresta era mais doida antes, mas parece que o abaçaí não é tão forte agora. Desde de que começamos a ver vulto de caipora na floresta, o abaçaí não tá mais muito forte.”
  “Essa última vez que o capitão saiu, como esse homem amarrado, eu tinha conseguido seguir o rastro dele, e foi aí que encontrei você. Você também é doido Daren, chegou do nada no arraial, e já começou a seguir o capitão Teodoro. Mas, seja lá de onde você veio, não é doido do abaçaí, e doido do caipora; percebi isso porque você fala sem medo até com o caipora, que nem naquela noite, na aldeia. Eu guardei quando você falou que veio enviado do caipora. Deve ser guardião da floresta como o caipora, não é? Não precisa falar, eu sei como é fazer tarefa de segredo.”
  Parece que Jacimar começou a entender minha situação, do jeito dela; mal sabe ela que logo também serei vítima do “caipora” que me condenou tão arbitrariamente. Faça algo por mim, Apolo, se puder.



 

  A magia é uma fonte de recursos muito variada, Daren. E vou usar todo o meu conhecimento arcano e científico para te ajudar. 

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